O MUNDO SOMOS NÓS

O que significa a Educação Krishnamurti?

Ivone Apolinário

Existe no ser humano uma necessidade de encontrar segurança e de impor limites, a si próprio e aos outros. Para que o homem conheça onde tudo começa e acaba ele criou vários tipos de sistemas.

Um deles é o sistema educativo. Hoje em dia podemos encontrar, para além do modelo convencional, vários tipos de outros sistemas educativos, mais ou menos livres, todos com uma clara definição de como deve ser a educação de uma criança, incluindo métodos específicos, materiais a usar, técnicas, etc..

Cumpre-me escrever sobre educação, da perspectiva de um ser humano que fundou várias escolas em todo o mundo – J. Krishnamurti , que passarei, daqui em diante, a referir como “K”.

Nascido na Índia em 1895 e falecido em 1986 na California, E.U.A., K recusou sempre todas as fronteiras – de nacionalismo, crença, ideologia, etc..

Nas suas conferências, seminários e diálogos que realizou por todo o mundo, não tratava de questões meramente teóricas ou abstractas. Investigava a mente humana, indo até à raiz dos problemas e do sofrimento do homem, convidando os que o escutavam (desde o intelectual de renome ao “homem comum”) a participar na pesquisa, fundamental para o autoconhecimento e a transformação do ser humano.

Considerando a educação como fundamental para a libertação dos condicionamentos, Krishnamurti fundou escolas experimentais (na Inglaterra, na Califórnia e na Índia), nas quais, além da preparação académica, se procura acordar o jovem para a compreensão de si mesmo, na relação com os outros seres humanos e com a Natureza.

Muitos perguntam como criar uma escola “Krishnamurti” e em que se baseiam as já criadas, para que possam ser replicadas noutras partes do mundo, mas esta é uma pergunta sem resposta, tal como eram todas aquelas apresentadas a K nas suas palestras, sempre que continham a palavra “como”.

Na verdade, K nunca especificou qualquer tipo de técnica educativa e as escolas por ele fundadas são diferentes entre si, sobretudo ao nível formal. No aspecto físico, o que as aproxima é a escolha do local onde se encontram – espaços de grande beleza natural, o tipo de edifícios, sempre confortáveis, bem construídos e bem equipados, limpos e organizados, a dieta, vegetariana e saudável; mas existem outras características comuns, como a relação harmoniosa que se estabelece entre alunos e professores, sendo estes altamente qualificados e motivados e a atmosfera de cooperação e afeição.

Segundo Krishnamurti, a escola é um lugar onde se aprende sobre a totalidade e a plenitude da vida. A excelência académica é absolutamente necessária, mas uma escola inclui muito mais do que isso. É um lugar onde tanto o professor quanto o aluno exploram, não só o mundo exterior, o mundo do conhecimento, mas também seu próprio pensamento, seu próprio comportamento.

Referia que aquilo que o educador é tem toda a importância, pois a criança aprende com o exemplo e não com o que o mesmo diz ou faz. Logo, o modo de vida correcto deve ser praticado e não ensinado, pois ninguém pode dizer ao outro como seguir um caminho de vida correcto e quais os passos para o alcançar, sob pena de lhe criar limites, frustrações, e, consequentemente, conflito. E como uma mesma acção pode ser correcta ou incorrecta, dependendo do que a motivou, só podendo cada um saber tal resposta, então não é possível transmitir esta informação ao aluno. Existe, assim, uma aprendizagem constante por parte do educador, sendo necessário que este esteja totalmente receptivo à transformação provocada pelo seu relacionamento com o mundo e com a criança.

Por esta razão, as técnicas e métodos pedagógicos nunca foram vistos como relevantes para K, não se tendo debruçado sobre o tema.

Algumas escolas fundadas por K são residenciais, pois considera-se importante desenvolver correctamente no estudante as várias dimensões da vida – física, emocional, intelectual e espiritual, bem como uma mais abrangente interacção entre professores e alunos.

Em todas as escolas é dada grande atenção ao desenvolvimento emocional da criança. A atmosfera é de afecto e compreensão, onde a criança se sente segura e livre de medo.

A excelência académica é incentivada nos estudantes, mas sem que exista pressão na aprendizagem ou com as notas. Na escola de Inglaterra, por exemplo, os estudantes podem escolher fazer ou não fazer exames, dependendo do seu interesse em usar os seus conhecimentos em disciplinas específicas para concorrer ao ensino superior.

Procura-se também ajudar o estudante a encontrar os seus talentos e a desenvolvê-los.

É comum nas escolas fundadas por Krishnamurti um sentimento de profundo respeito e admiração pela natureza. É cultivada nas crianças a sensibilidade pela beleza em seu redor.

Os momentos de reflexão e diálogo são criados para que alunos se observem a si próprios e tomem contacto com a sua existência mais profunda.

Reuniões da assembleia de estudantes também são regulares e servem para partilhas entre estudantes e professores e para tratar de questões práticas de funcionamento da escola.

Outra importante finalidade das escolas de K é de ensinar a cooperação, sem que seja necessário a criança procurar vantagens pessoais e egocêntricas ou criar grupos e buscar segurança.

O maior problema em criar uma Escola Krishnamurti não é a criança, nem a técnica, nem a sociedade, nem o sistema educativo. É a falta de entendimento dos nossos pequenos “eus”, dos nossos egos. Neste aspecto nós não somos assim tão diferentes da criança e se observarmos cuidadosamente podemos descobrir que os seus problemas são idênticos aos nossos. A menos que os professores estejam extremamente conscientes deste facto, não podemos criar uma Escola Krishnamurti, por mais que nos esforcemos com os problemas da disciplina, técnicas educativas, conquistas, finanças e eficiência.

Ivone Apolinário, co-fundadora e coordenadora geral da Comunidade de Aprendizagem O Mundo Somos Nós.

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