texto de J. Krishnamurti, extraído do livro “A Educação e o Significado da Vida”
O mero seguimento de um sistema, político ou educativo, nunca solucionará os nossos problemas sociais; e é muito mais importante compreender o modo como abordamos qualquer problema do que entender o problema em si mesmo.
Se quer que as crianças se libertem dos temores – seja este em relação aos pais, ao ambiente ou a Deus – , o educador não pode ter qualquer medo. E esta é a dificuldade: encontrar professores que não estejam apanhados pelas garras do medo. O medo estreita o pensamento e limita a iniciativa, e um professor que tenha medos jamais poderá transmitir o significado profundo de se estar livre de qualquer medo. Como a simpatia, o medo é contagioso. Se o educador é secretamente temeroso, ele passará o seu medo aos estudantes, mesmo que essa contaminação não seja imediatamente visível.
Suponhamos, por exemplo, que um professor tem medo da opinião pública; ele vê que é uma coisa absurda mas não vai além disso. O que deverá ele fazer? Poderá, pelo menos, estar atento a isso, e ajudar os seus estudantes a compreenderem o que é o medo ao expor a sua própria reacção psicológica e a falar abertamente disso com eles. Esta abordagem honesta e sincera contribuirá enormemente para encorajar os estudantes a serem igualmente abertos e directos com eles mesmos e com o professor.
Ao dar liberdade à criança, o educador devera estar ciente das implicações e de todo o significado inerente à liberdade. O exemplo e a compulsão, sob qualquer forma, não ajudam a criar a liberdade, e só em liberdade é que pode haver autodescoberta e percepção profunda.
A criança é influenciada pelas pessoas e coisas à sua volta, e o educador correcto deverá ajudá-la a descobrir essas influências e o seu real valor. Os valores correctos não são encontrados através da autoridade da sociedade ou da tradição; apenas a reflexão individual pode revelá-los.
Se o professor compreende isto profundamente, motivará o estudante, logo desde o princípio, a despertar para uma consciência sobre os valores actuais individuais e colectivos; encorajá-lo-á a investigar, não apenas sobre um certo tipo de valores, mas sobre o verdadeiro valor de todas as coisas; ajudá-lo-á a não ter medo, a libertar-se de todas as dominações, tenham estas a ver com o professor, com a família ou com a sociedade, para que ele possa desabrochar em amor e bondade. E ao ajudar o jovem no caminho da liberdade, o educador também vai mudando os seus próprios valores; começa a libertar-se do «eu» e do «meu»; também florescerá em amor e bondade. Este processo de educação nos dois sentidos gera um relacionamento completamente diferente entre professor e estudante.
Qualquer dominação ou compulsão é um obstáculo directo à liberdade e à inteligência. O educador correcto não se submete a qualquer autoridade ou poder na sociedade; ele encontra-se para além das leis e sanções da sociedade. Se ele quer ajudar a criança a libertar-se das suas dificuldades, criadas por ela própria e pelo ambiente social, todo o género de compulsão e dominação tem de ser compreendido e posto de parte; e isto não é possível se o educador não estiver também ele a libertar-se de todos os malefícios da autoridade.
Seguir alguém, mesmo que ele seja «grande», impede a revelação dos caminhos do «eu»; correr atrás da promessa de uma utopia-pronta-a-servir, torna a mente totalmente desatenta à acção do seu próprio desejo de conforto, de autoridade, de ajuda por parte de outrem. O sacerdote, o político, o advogado, o militar, todos estão lá para «nos ajudar»; mas essa ajuda destrói a inteligência e a liberdade. A ajuda de que precisamos não está fora de nós. Não temos de mendigá-la; ela surge sem que a busquemos quando somos humildes e dedicados naquilo que fazemos, quando estamos abertos à compreensão dos nossos actos e acidentes diários.
Temos de evitar o desejo ansioso, consciente ou inconsciente, de ajuda e encorajamento egocêntricos, pois tal ânsia produz a sua própria reacção, que é sempre de natureza gratificante. É confortável ter alguém que nos motive, que nos conduza e nos tranquilize; mas este hábito de vermos no outro um guia, uma autoridade, depressa se transforma em veneno na nossa estrutura. A partir do momento em que dependemos de alguém em termos de orientação, esquecemos a nossa missão pessoal, que é a de despertarmos a nossa liberdade e inteligência individual.
Toda a autoridade é uma barreira; é fundamental que o educador não se torne uma autoridade para o estudante. A montagem da autoridade é um processo tanto consciente como inconsciente.
O estudante sente-se inseguro, hesitante, mas o professor mostra-se seguro no seu conhecimento, forte na sua experiência. A força e a segurança do professor inspiram confiança e segurança ao estudante, levando-o a «aquecer-se nesse sol»; mas essa segurança não dura sempre nem é genuína. O professor que, consciente ou inconscientemente, encoraja a dependência não será de grande ajuda para os seus estudantes. Pode entusiasmá-los com os seus conhecimentos, fasciná-los com a sua personalidade, mas ele poderá não ser o professor correcto quando o seu conhecimento e as suas experiências são o seu vício, a sua segurança, a sua prisão; e enquanto ele não estiver liberto disso, não pode auxiliar os seus estudantes a serem pessoas integradas.
Para se ser o educador correcto, a pessoa terá de estar permanentemente a libertar-se dos livros e dos laboratórios, não terá de estar sempre com os seus estudantes, para que o não tornem um exemplo, um ideal, uma autoridade. Quando o professor tem desejo de se realizar através dos seus estudantes, quando estes são o seu sucesso, então o seu ensinar é uma forma de autocontinuidade, que é prejudicial para o autoconhecimento e para a liberdade. O professor correcto tem de estar muito atento a todos estes obstáculos, para que possa ajudar os seus alunos a libertarem-se não apenas da sua autoridade mas também das próprias motivações egocêntricas.
Infelizmente, no que toca à compreensão de um problema, a maioria dos professores não trata o estudante como parceiro igual; da sua posição superior, eles dão instruções ao aluno, que se encontra num plano muito abaixo deles. Um tal relacionamento apenas acrescentará medo tanto no professor como no estudante. O que é que gera este relacionamento desigual? Será porque o professor tem receio de ser descoberto nas suas falhas? Será que ele, a manter uma respeitável distância, pensa que estão seguras as suas susceptibilidades, a sua importância? A sua altiva displicência em nada contribui para a queda de barreiras que separam os seres humanos. No fundo, o educador e o seu aluno ajudam-se mutuamente a educar-se.